Há 4 meses
Passagens secretas
12/29/2009O trabalho,
a política
o lazer
a religião
a ciência
todas essas instâncias
e também aquilo a que chamam "vida" nunca me consomem.
São pequenas bolas que circundo e observo de fora
para ver nelas a cara deformada
como refracções nos enfeites de natal.
Eu sou, dentro do espírito, um ser etéreo que trespassa moléculas
sou a energia sem matéria
a matéria sem contaminação
a metafisica
o quas'apogeu de relatividade
o julgar monótono da estratosfera
o anticristo e o fim das leis.
Mas ao mesmo tempo moro fisicamente dentro de algo que não vejo e não controlo
como as fobias ou como deus.
Existem as paredes do útero
sem frio, nem medo,
sem portas, nem janelas, nem pernas, nem cérebro, nem veneno nem poder ou decisão.
lá dentro,
como o deus cristão,
deitado na sombra do sétimo dia
Eu nunca me vou embora de ti.
ás vezes esgravato o picotado escrito na palavra comum
encho o peito com cinquenta litros de ar
e vou-me embora de nós.
Hoje
11/16/2009
Passei o dia mais longo da minha vida a olhar para ti
de dentro do cérebro para dentro do cérebro
nesse dia não gerei melatonina
não fechei os olhos
não descansei a carne.
Passei o dia mais longo da minha vida dentro de uma parede de osso
sem palavras para escrever
alimentado a gás
sem escape de pressão.
No dia mais longo da minha vida estive prestes a afogar-me.
se deixo de ver luz engulo com medo toda a água, os peixes e o lodo.
ainda não acordei
estou há horas sem máscara debaixo de água.
Já mal consigo respirar e o dia mais longo da minha vida ainda não acabou.
de dentro do cérebro para dentro do cérebro
nesse dia não gerei melatonina
não fechei os olhos
não descansei a carne.
Passei o dia mais longo da minha vida dentro de uma parede de osso
sem palavras para escrever
alimentado a gás
sem escape de pressão.
No dia mais longo da minha vida estive prestes a afogar-me.
se deixo de ver luz engulo com medo toda a água, os peixes e o lodo.
ainda não acordei
estou há horas sem máscara debaixo de água.
Já mal consigo respirar e o dia mais longo da minha vida ainda não acabou.
A água arrefece
11/11/2009
Olhei para a tua orelha.
Estava tanto calor que te escorria um fio de suor da ponta do cabelo em direcção ao queixo.
Eram três da tarde e já haviamos saltado de todas as pranchas.
Era sempre eu quem te desafiava e saltava primeiro.
tu saltavas sempre depois de mim.
Ás vezes acredito que sempre desejaste ser o irmão mais novo.
... menos uma
Todas as pranchas menos uma.
A mais alta.
Desafiei-te e tu acenaste um sim com a cabeça.
subimos os dois as escadas com os nossos corpos magros e queimados pelo sol
com os calções de banho pesados da água a dificultar a subida. Eu sabia que conseguia e acreditava que tal como das outras vezes
também ias saltar.
Olhei cá para baixo e saltei.
os meses passaram
Ainda estou a olhar-te lá de baixo.
Estava tanto calor que te escorria um fio de suor da ponta do cabelo em direcção ao queixo.
Eram três da tarde e já haviamos saltado de todas as pranchas.
Era sempre eu quem te desafiava e saltava primeiro.
tu saltavas sempre depois de mim.
Ás vezes acredito que sempre desejaste ser o irmão mais novo.
... menos uma
Todas as pranchas menos uma.
A mais alta.
Desafiei-te e tu acenaste um sim com a cabeça.
subimos os dois as escadas com os nossos corpos magros e queimados pelo sol
com os calções de banho pesados da água a dificultar a subida. Eu sabia que conseguia e acreditava que tal como das outras vezes
também ias saltar.
Olhei cá para baixo e saltei.
os meses passaram
Ainda estou a olhar-te lá de baixo.
O Mal menor
10/27/2009
Rodas a cabeça
180 graus
O teu corpo gira, acompanhando-a
Faz-se silencio
Rodo a cabeça 180 graus
Enfias-me escamas debaixo das unhas
com o teu silencio.
distam 20 centímetros do meu corpo ao teu
A distancia é o mal menor da solidão.
180 graus
O teu corpo gira, acompanhando-a
Faz-se silencio
Rodo a cabeça 180 graus
Enfias-me escamas debaixo das unhas
com o teu silencio.
distam 20 centímetros do meu corpo ao teu
A distancia é o mal menor da solidão.
A emoção executiva e a sobrevivencia
10/18/2009
Mais um domingo destruido por ti
ou pelos executantes da tua evolução.
Mais uma acusação proferida por mim
ou pelo executantes da minha evolução.
Mais umas muitas horas coexistência impossivel
com 3 minutos de gritos e 3 horas de silencio.
Mais cinquenta desculpas soluveis em desculpas
a borbulhar em cada um dos estomagos dentro dos corpos do avesso
Mais um crime cometido ás claras e ás cegas
mais uma pá de terra em cima da carne
por esta altura já se me não vêm as pernas
Ainda conseguirei respirar mais uns tempos no meio desse fumo que me lanças para a cara.
Eu sou um ser da natureza, dentro da sociedade industrial
Tal como tu eu não esqueço a fome em porra de banquete algum
os executantes da minha evolução vão-me deixando sem margem de manobra.
Todos os dias precisas de existir
Todos os dias precisas de roer a minha casca em busca de vermes.
Estou a ficar sem veios
por onde me corra seiva viva e elástica
nem raízes que me prendam ao chão.
estou a cristalizar a flexibilidade das minha células.
A infelicidade tem limites
Se os terramotos acontecerem todos os dias
deixo de fazer habitações
não trago mais um só tijolo para o lar
e durmo ao relento até morrer
ou então, respiro fundo, arrumo a trouxa e mudo de zona´
a morte está sempre garantida.
As horas passam
não sei quando me virás trazer um copo com enzimas
por agora fumaste e perdeste as mãos.
quando as recuperares espero realmente que me tragas um grande copo de enzimas
e que possamos recuperar as horas que faltam.
amanhã já é segunda e o ciclo repete-se de novo
mais 6 dias até Domingo.
ou pelos executantes da tua evolução.
Mais uma acusação proferida por mim
ou pelo executantes da minha evolução.
Mais umas muitas horas coexistência impossivel
com 3 minutos de gritos e 3 horas de silencio.
Mais cinquenta desculpas soluveis em desculpas
a borbulhar em cada um dos estomagos dentro dos corpos do avesso
Mais um crime cometido ás claras e ás cegas
mais uma pá de terra em cima da carne
por esta altura já se me não vêm as pernas
Ainda conseguirei respirar mais uns tempos no meio desse fumo que me lanças para a cara.
Eu sou um ser da natureza, dentro da sociedade industrial
Tal como tu eu não esqueço a fome em porra de banquete algum
os executantes da minha evolução vão-me deixando sem margem de manobra.
Todos os dias precisas de existir
Todos os dias precisas de roer a minha casca em busca de vermes.
Estou a ficar sem veios
por onde me corra seiva viva e elástica
nem raízes que me prendam ao chão.
estou a cristalizar a flexibilidade das minha células.
A infelicidade tem limites
Se os terramotos acontecerem todos os dias
deixo de fazer habitações
não trago mais um só tijolo para o lar
e durmo ao relento até morrer
ou então, respiro fundo, arrumo a trouxa e mudo de zona´
a morte está sempre garantida.
As horas passam
não sei quando me virás trazer um copo com enzimas
por agora fumaste e perdeste as mãos.
quando as recuperares espero realmente que me tragas um grande copo de enzimas
e que possamos recuperar as horas que faltam.
amanhã já é segunda e o ciclo repete-se de novo
mais 6 dias até Domingo.
Suicídio colectivo
9/29/2009
Estamos vivos,
ainda
O meu coração bate.
Temo que a qualquer hora um de nós deixe de respirar.
A tua maquina ainda faz bip
A minha máquina ainda faz bip
Não há doutores na sala
mas há ar e eu já não asfixio.
Confirma-se:
O suicidio colectivo não resulta.
O meu problema é o teu problema.
se eu deixar de respirar sabes que morri
eu respiro sempre
se nunca me matares eu respiro sempre
hoje descobri
é o unico acordo realmente eterno.
ainda
O meu coração bate.
Temo que a qualquer hora um de nós deixe de respirar.
A tua maquina ainda faz bip
A minha máquina ainda faz bip
Não há doutores na sala
mas há ar e eu já não asfixio.
Confirma-se:
O suicidio colectivo não resulta.
O meu problema é o teu problema.
se eu deixar de respirar sabes que morri
eu respiro sempre
se nunca me matares eu respiro sempre
hoje descobri
é o unico acordo realmente eterno.
9/25/2009
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comentários
O drama humano é a condenação a uma existência reclusa sem a consciência da reclusão.
Reprodução do século XXI
9/15/2009
O papel de parede é novo, ainda sem nódoas.
Todos os seus familiares se transformaram em objectos domésticos,
particularmente a mãe:
Um ecrã grande onde debatem políticos de segunda.
.
Nunca existiram irmãos.
Os animais domésticos são cadáveres na cozinha.
Envolta em poucos lúmen a criança masca plasticina.
A casa está fria.
Os políticos versam sobre vida de todos.
A criança esfrega as papilas na pasta
sente o misto de barro e plástico
Orienta a face para a tv
e faz caretas instintivas
Outputs de informação obsoleta e vestigial.
Todos os seus familiares se transformaram em objectos domésticos,
particularmente a mãe:
Um ecrã grande onde debatem políticos de segunda.
.
Nunca existiram irmãos.
Os animais domésticos são cadáveres na cozinha.
Envolta em poucos lúmen a criança masca plasticina.
A casa está fria.
Os políticos versam sobre vida de todos.
A criança esfrega as papilas na pasta
sente o misto de barro e plástico
Orienta a face para a tv
e faz caretas instintivas
Outputs de informação obsoleta e vestigial.
ENTREVISTA A JOSÉ GABRIEL PEREIRA BASTOS
8/31/2009
(Antropólogo - FCSH/UNL)
Que função desempenha o sonho no ser humano?
Eu diria que o sonho é aquilo que é mais especificamente humano, mesmo que para isso eu tenha de reduzi-lo a uma categoria de acto que recusa a realidade. Portanto, o sonho é a actividade do espírito que nos quer libertar do fracasso, da frustração, da decepção, da impotência, e que mostra que nós somos um animal inconformista, um animal revoltado. Poderíamos usar várias expressões filosóficas para descrever o humano mas não o hommo sapiens sapiens, que é isso que não somos. Teorias como o empirismo, o racionalismo, o pragmatismo que se baseiam na apologia do progresso, da razão, da ordem negam isso, As teorias românticas, como o neo-romantismo que hoje é transportado pela psicanálise e pelo marxismo, são teorias do Homem dramático, do Homem revoltado, do Homem inconformado com a exploração do Homem pelo Homem, da mulher pelo homem, com a injustiça, com a humilhação, com o racismo, com o preconceito, etc; são teorias do Homem inconformado com o seu próprio recalcamento, ou seja, com a impossibilidade de sentir, de viver, de pensar, de ser agente, de ser autêntico, de tér uma identidade pessoal, de correr riscos em nome de si próprio... Deste modo, o marxismo e a psicanálise sãó, para mim, as correntes modernas que continuam a exprimir a problemática do Homem inconformado. Foi nessa acepção que Edgar Morin propôs que se alterasse a designação de homo sapiens sapiens para homo sapiens demens. O sonho é o demens e é o demens que é a parte realmente humana do Homem, é o acto louco. Louco quer dizer que nós temos que viver fora do real porque temos uma alma tão sensível, tão vulnerável, tão traumatizável face a realidades que podem estar tão fora de nós como a morte, ou biológicas como a doença, o envelhecimento, a decrepitude, ou de outras coisas que vêm das relações inter-humanas: o racismo, a opressão, crianças a morrer à fome, genocídio, tortura, actos terríveis que os Homens podem fazer alguns muito visivelmente terríveis, outros disfarçadamente terríveis, organizadamente terríveis que magoam tanto que nós desejaríamos que o mundo fosse qualquer coisa que não é. Posto isto, o problema é que nós vivemos entré o que há e não gostamos e o que não há e queríamos que fosse, ou seja, temos ideais, protestamos contra a realidade e inventamos outra porque queremos fugir à angústia. E o sonho é a forma que os humanos têm de vencer a adversidade.
Poderíamos dizer, então, que “o Homem é o lobo do Homem”, que é intrinsecamente mau, e que o sonho serviria como um escape à monstruosidade dos seus próprios actos?
Eu não diria isso. Diria que essa dimensão existe, e não é bom negá-la, diria que o Homem é um animal em sofrimento, em ferida aberta, que gostaria de sarar as suas feridas através do amor, do abraço, da família, da arte… somos um animal ferido que gostava de se curar, mas quando procura curar-se magoa e é magoado novamente. O Homem é um animal à procura de salvação, à procura de paz, de realização; mas não temos salvação possível. Na minha perspectiva, a vida do Homem é estruturalmente dramática e problemática. Somos a única espécie problemática que se pode auto destruir; exactamente porque se quer salvar.
Se o sonho é, como disse Frédéric Gaussen, “a expressão mais secreta e mais impúdica de nós próprios”, se ele é de tal forma individual e subjectivo, poder-se-á fazer uma análise dele com exactidão científica? No fundo, pode a psicanálise aspirar a ser uma ciência?
Eu poria a questão ao contrário, perguntaria se alguma disciplina, com excepção da psicanálise, pode fazer uma análise cientifica do sonho. Eu diria que a biologia não pode, a neurobiologia cerebral também não e que eu saiba nenhuma outra das restantes escolas psicológicas o fazem. A psicanálise é uma disciplina estrutural-dinâmica, que parte de observações sobre indivíduos para criar um modelo da vida mental, um modelo com dimensões colectivas, políticas, históricas, económicas, eróticas, agressivas, militares, artísticas, enfim, todas as dimensões, sem excepção. O que é necessário saber é com que modelo é que pensamos a pluralidade de acções humanas, desde a tortura ao genocídio, à arte, ao tocar violino, ao fazer amor, ao casar, ao ir para padre, tudo o que o Homem pode fazer em qualquer parte do mundo. Portanto, o que Freud criou é uma antropologia geral, distinta da antropologia geral científica de Marx. E, para mim, o ideal seria conjugar Freud e Marx, encontrar o encaixe justo entre essas duas teorias, e então teríamos uma teoria praticamente completa, uma teoria estrutural-dinâmica da História, da dramaticidade, etc. Mas o que é que eu quero dizer com uma teoria estrutural-dinâmica? Quero dizer que, neste caso, estamos a dizer que a alma é estruturada e que existe uma articulação entre a organização da mente e a organização do mundo. Aqui damos ênfase ao facto de a mente, por sua vez, estar articulada com o soma, com o organismo, com as necessidades orgânicas, com os impulsos agressivos, com os impulsos eróticos,com a fome e com outras sensibilidades mais. Portanto, o que se trata de obter é uma teoria da articulação estrutural-dinâmica entre o soma, o psiquismo e a sociedade e entre outras actividades ainda como as artísticas e as religiosas. Esta teoria geral está em Freud; certo ou errado, ele construiu um modelo. Agora eu diria que ciência, por definição, é um acto da vida mental que propõe modelos sobre o real que podem ser contrapostos a outros modelos. Dito de outra maneira, para mim, o espaço da ciência é um espaço de proposta, de um mercado mental de modelos em que o Freud entra e propõe o seu modelo, e eu estou à espera de que outras pessoas entrem e proponham modelos que me permitam dizer “deito fora o de Freud e fico com o do senhor Silva”. Uma segunda característica da ciência é que ela se contrapõe sempre à visão ideológica do mundo, à visão popular e à visão imediata e perceptiva do real. E cada vez que alguém produz ciência o mundo levanta-se contra ele — aconteceu com Galileu, Kepler, Darwin, Freud, Marx... Porquê? Porque, exactamente, o desejo mais genérico dos Homens é viverem em estado de ilusão. Os Homens precisam de compensações, o mundo é duro para com eles, os Homens são um animal que protesta, não querem, inventam ilusões, compensações drogas, álcool, raves, rock in rio’s, sexualidade, garotas, cama, discotecas, futebol, televisão, quinta das celebridades, polifica-espectáculo, Santana Lopes, missas, paróquias imensas distracções para ver se não dói tanto. Portanto, quando alguém propõe uma visão científica do real em Ciências Sociais essa visão é sempre chocante. Nesse sentido eu diria que, claramente, temos todos os indicadores da cientificidade da psicanálise e temos todos os indicadores da alienação de disciplinas como a psiquiatria, que se dizem científicas mas não o são. Porque servem apenas para criar um efeito de Lexotan [análogo ao Prozac ou Valium, contra a ansiedade, que produz um efeito tranquilizador em quem o ingere pelo qual se diz que 3% das pessoas são malucas e tu és racional. Claro que isto é óptimo para os restantes 97%...
Acha que a religião pode ser encarada como um sonho ou um delírio colectivo? Como um “ópio do povo” que, inserindo o Homem numa estrutura simulacral e ilusória, concede-lhe o escape da dura realidade?
Marx, nesse texto, vai ainda mais longe e afirma que o Homem não tem realidade. E nãõ tem realidade porque os dominadores, os exploradores retiraram a realidade ao Homem proletário, para que ele não se revoltasse. Ora, eu tenho todos os dados como antropólogo para dizer que Marx estava errado e que essas problemáticas não têm apenas que ver com sociedades com Estado nem com sociedades capitalistas. Porque o que é facto é que sociedades de caçadores-recolectores de cinquenta pessoas no meio da selva têm tudo isso e, no entanto, não têm judaico-cristianismo, não tiveram igrejas católicas, não tiveram repressão institucional, etc. As trevas não são trevas; pelo contrário, são luzes. Dito de outra maneira, o Homem gosta muito de ver luzes em caleidoscópios e de inventar caleidoscópios e de ver luzes bonitas. As religiões são luzes bonitas que também servem para certas partes mais angustiadas da humanidade dominarem outras partes que lhes causam angústia. Quando se vai ver quem são essas partes, os angustiados são os Homens de uma certa idade, e as pessoas que lhes causam angústia são as suas mulheres e filhos, A religião também serve para os homens angustiados e fragilizados criarem uma estrutura de dominação sobre as suas próprias mulheres, que podem estar a dormir com outros homens, sobre os seus filhos que lhes podem desobedecer os homens estão a envelhecer enquanto os filhos estão cheios de força, uns estão na fase de abertura outros na fase de fechamento e decrepitude. A religião foi, assim, (e há provas disso) inventada pelos homens mais velhos, ao aperceberem-se de que, através dela, podiam dominar os outros homens.
Isso poder-nos-ia levar à questão do falocentrismo e da dominação que ele vem exercendo em toda a nossa história ocidental.
Isso não tem que ver com o falos, tem que ver com a fatta dele (risos). Os homens velhos não têm fatos, têm o pénis dependurado e frouxo e as mulheres não querem dormir com eles, querem dormir com equivalentes aos filhos. A criatividade humana é uma resposta à vulnerabilidade identitária e a angústia que ela provoca nos sujeitos que a têm. Os sujeitos mais vulneraveis são os homens. Todas as pessoas que querem o poder quanto mais o querem mais vulneráveis se tornam. O poder é uma posição instável e falsa.
Francis Fukuyama afirmou que o “fim da história” incluiria um fim das ideologias. Ainda há espaço para a utopia, para o sonho utópico, num mundo cada vez mais a-ideológico, cada vez mais embrenhado na “era do vazio”?
Acabas de demonstrá-lo. O que o Fukuyama nos está a propor é o sonho dele, sem qualquer realidade dentro. O que ele está a propor é uma utopia, não tem qualquer realidade dentro e não vai acontecer. O que vai acontecer, por razões estruturais-dinâmicas, é que o Homem, sendo um ser ferido, vulnerável, dramático, problemático, sempre porá em perigo ele próprio e os seus semelhantes, porque está em guerra consigo próprio e com os outros. Portanto o que teremos nunca será a paz por mil anos, só um Napoleão ou um Hegel diria uma coisa dessas, e o Fukuyama é apenas mais um, mas debruçando-se sobre a globalização. Os Homens estarão sempre a organizar novos delírios, novos grupos, novas identidades e a contrapô-las a outras fazendo guerras, ensaios de dominação e tornando-se vulneráveis através disso, e recomeçando um ciclo entre gerações, entre sexos, grupos, etnicidades, classes sociais, entre benfiquistas e sportinguistas… querendo sempre chegar a qualquer coisa onde não chegarão e andando à paulada, ou com medo de a levar, porque outros não gostam da sua identidade. Dito de outra maneira, uma coisa incontornável é que estás sozinho. O Homem é o único animal verdadeiramente sozinho, e nunca deixa de estar sozinho, nem na cama. Estás condenado à solidão e a tua alma sofre com isso. Platão falou disso quando falou do ser primordial, que era redondo, tinha quatro pernas e quatro braços e depois alguém o cortou ao meio e as duas metades passaram a vida a tentar reencontrar se para criar o círculo perfeito, a totalidade. Isso em psicanálise é chamado “princípio da conservação do psiquísmo”, ou seja, tu conservas-te na tua vida mental comparando todos os estados pelos quais passaste, e como alguns estados pelos quais passaste são melhores do que a tua actualidade, tu tens nostalgia do teu paraíso perdido que foi o útero da tua mãe, o ninho que ela te deu, e a ilusão de que eras o centro do mundo. As mães dão aos bebés a ilusão de que eles são o centro do mundo, e isso torna-nos egocêntricos, etnocêntricos. Desta forma, mesmo Freud, mesmo o maior teórico continua a ser um sujeito de ilusões. A vida psíquica é estruturada de tal maneira que tu tens vários sujeitos dentro de ti, e o sujeito que age na inveja, o sujeito que age no futebol, na política, é o sujeito da ilusão, é o sujeito do sonho. Há uma ânsia de sonho, há uma ânsia de encontrar, há uma esperança. Eu penso que mesmo a pessoa mais lúcida, lá no último canto da cabeça, o que ela tem é esperança, o que ela tem é sonho. Esperança da redenção, da salvação, da plenitude, do encontro. O que se exprime no sonho é o sujeito dramático, em busca não consciente da realização disfarçada de desejos recalcados. O que se transmite no sonho é a revolta, o que o sonho faz é a desobediência em busca da salvação, ou seja, é o inverso da ideologia que afirma que é na obediência que está a salvação. Ideologia cristã, onde se preconiza obediência ao plano de Deus; ou ideologia burguesa, baseada numa obediência ao Estado: pagar os impostos, cumprir os horários, ser metódico e pontual. O que a alma diz no sonho é “não me impedirão de procurar a salvação”.
O sonho pode ser, assim, perigoso, na medida em que vai contra a imposição de modelos comportamentais rígidos, porque vai contra o controlo político do Homem. Perigoso porque liberta.
Se um dia chegarmos à situação em que os biólogos nos impedirem de sonhar, o controlo político da Humanidade está garantido. Só que as últimas experiências biológicas provam que um Homem que não sonha enlouquece. Dito de outra forma, para se levar os Homens a obedecerem incondicionalmente ao Estado será necessário enlouquecer a humanidade. Criar-se-ia um mundo de psicóticos e não um mundo de cidadãos.
Um mundo como o de “1984” de Orwell.
Exactamente.
[Entervista por Paulo Barcelos. Originalmente publicado no “Nova em Folha” – Jornal da Associação de Estudantes da FCSH, #36, Novembro de 2004]
http://rebeldia2.blogspot.com/2005/03/entrevista-jos-gabriel-pereira-bastos.html
Que função desempenha o sonho no ser humano?
Eu diria que o sonho é aquilo que é mais especificamente humano, mesmo que para isso eu tenha de reduzi-lo a uma categoria de acto que recusa a realidade. Portanto, o sonho é a actividade do espírito que nos quer libertar do fracasso, da frustração, da decepção, da impotência, e que mostra que nós somos um animal inconformista, um animal revoltado. Poderíamos usar várias expressões filosóficas para descrever o humano mas não o hommo sapiens sapiens, que é isso que não somos. Teorias como o empirismo, o racionalismo, o pragmatismo que se baseiam na apologia do progresso, da razão, da ordem negam isso, As teorias românticas, como o neo-romantismo que hoje é transportado pela psicanálise e pelo marxismo, são teorias do Homem dramático, do Homem revoltado, do Homem inconformado com a exploração do Homem pelo Homem, da mulher pelo homem, com a injustiça, com a humilhação, com o racismo, com o preconceito, etc; são teorias do Homem inconformado com o seu próprio recalcamento, ou seja, com a impossibilidade de sentir, de viver, de pensar, de ser agente, de ser autêntico, de tér uma identidade pessoal, de correr riscos em nome de si próprio... Deste modo, o marxismo e a psicanálise sãó, para mim, as correntes modernas que continuam a exprimir a problemática do Homem inconformado. Foi nessa acepção que Edgar Morin propôs que se alterasse a designação de homo sapiens sapiens para homo sapiens demens. O sonho é o demens e é o demens que é a parte realmente humana do Homem, é o acto louco. Louco quer dizer que nós temos que viver fora do real porque temos uma alma tão sensível, tão vulnerável, tão traumatizável face a realidades que podem estar tão fora de nós como a morte, ou biológicas como a doença, o envelhecimento, a decrepitude, ou de outras coisas que vêm das relações inter-humanas: o racismo, a opressão, crianças a morrer à fome, genocídio, tortura, actos terríveis que os Homens podem fazer alguns muito visivelmente terríveis, outros disfarçadamente terríveis, organizadamente terríveis que magoam tanto que nós desejaríamos que o mundo fosse qualquer coisa que não é. Posto isto, o problema é que nós vivemos entré o que há e não gostamos e o que não há e queríamos que fosse, ou seja, temos ideais, protestamos contra a realidade e inventamos outra porque queremos fugir à angústia. E o sonho é a forma que os humanos têm de vencer a adversidade.
Poderíamos dizer, então, que “o Homem é o lobo do Homem”, que é intrinsecamente mau, e que o sonho serviria como um escape à monstruosidade dos seus próprios actos?
Eu não diria isso. Diria que essa dimensão existe, e não é bom negá-la, diria que o Homem é um animal em sofrimento, em ferida aberta, que gostaria de sarar as suas feridas através do amor, do abraço, da família, da arte… somos um animal ferido que gostava de se curar, mas quando procura curar-se magoa e é magoado novamente. O Homem é um animal à procura de salvação, à procura de paz, de realização; mas não temos salvação possível. Na minha perspectiva, a vida do Homem é estruturalmente dramática e problemática. Somos a única espécie problemática que se pode auto destruir; exactamente porque se quer salvar.
Se o sonho é, como disse Frédéric Gaussen, “a expressão mais secreta e mais impúdica de nós próprios”, se ele é de tal forma individual e subjectivo, poder-se-á fazer uma análise dele com exactidão científica? No fundo, pode a psicanálise aspirar a ser uma ciência?
Eu poria a questão ao contrário, perguntaria se alguma disciplina, com excepção da psicanálise, pode fazer uma análise cientifica do sonho. Eu diria que a biologia não pode, a neurobiologia cerebral também não e que eu saiba nenhuma outra das restantes escolas psicológicas o fazem. A psicanálise é uma disciplina estrutural-dinâmica, que parte de observações sobre indivíduos para criar um modelo da vida mental, um modelo com dimensões colectivas, políticas, históricas, económicas, eróticas, agressivas, militares, artísticas, enfim, todas as dimensões, sem excepção. O que é necessário saber é com que modelo é que pensamos a pluralidade de acções humanas, desde a tortura ao genocídio, à arte, ao tocar violino, ao fazer amor, ao casar, ao ir para padre, tudo o que o Homem pode fazer em qualquer parte do mundo. Portanto, o que Freud criou é uma antropologia geral, distinta da antropologia geral científica de Marx. E, para mim, o ideal seria conjugar Freud e Marx, encontrar o encaixe justo entre essas duas teorias, e então teríamos uma teoria praticamente completa, uma teoria estrutural-dinâmica da História, da dramaticidade, etc. Mas o que é que eu quero dizer com uma teoria estrutural-dinâmica? Quero dizer que, neste caso, estamos a dizer que a alma é estruturada e que existe uma articulação entre a organização da mente e a organização do mundo. Aqui damos ênfase ao facto de a mente, por sua vez, estar articulada com o soma, com o organismo, com as necessidades orgânicas, com os impulsos agressivos, com os impulsos eróticos,com a fome e com outras sensibilidades mais. Portanto, o que se trata de obter é uma teoria da articulação estrutural-dinâmica entre o soma, o psiquismo e a sociedade e entre outras actividades ainda como as artísticas e as religiosas. Esta teoria geral está em Freud; certo ou errado, ele construiu um modelo. Agora eu diria que ciência, por definição, é um acto da vida mental que propõe modelos sobre o real que podem ser contrapostos a outros modelos. Dito de outra maneira, para mim, o espaço da ciência é um espaço de proposta, de um mercado mental de modelos em que o Freud entra e propõe o seu modelo, e eu estou à espera de que outras pessoas entrem e proponham modelos que me permitam dizer “deito fora o de Freud e fico com o do senhor Silva”. Uma segunda característica da ciência é que ela se contrapõe sempre à visão ideológica do mundo, à visão popular e à visão imediata e perceptiva do real. E cada vez que alguém produz ciência o mundo levanta-se contra ele — aconteceu com Galileu, Kepler, Darwin, Freud, Marx... Porquê? Porque, exactamente, o desejo mais genérico dos Homens é viverem em estado de ilusão. Os Homens precisam de compensações, o mundo é duro para com eles, os Homens são um animal que protesta, não querem, inventam ilusões, compensações drogas, álcool, raves, rock in rio’s, sexualidade, garotas, cama, discotecas, futebol, televisão, quinta das celebridades, polifica-espectáculo, Santana Lopes, missas, paróquias imensas distracções para ver se não dói tanto. Portanto, quando alguém propõe uma visão científica do real em Ciências Sociais essa visão é sempre chocante. Nesse sentido eu diria que, claramente, temos todos os indicadores da cientificidade da psicanálise e temos todos os indicadores da alienação de disciplinas como a psiquiatria, que se dizem científicas mas não o são. Porque servem apenas para criar um efeito de Lexotan [análogo ao Prozac ou Valium, contra a ansiedade, que produz um efeito tranquilizador em quem o ingere pelo qual se diz que 3% das pessoas são malucas e tu és racional. Claro que isto é óptimo para os restantes 97%...
Acha que a religião pode ser encarada como um sonho ou um delírio colectivo? Como um “ópio do povo” que, inserindo o Homem numa estrutura simulacral e ilusória, concede-lhe o escape da dura realidade?
Marx, nesse texto, vai ainda mais longe e afirma que o Homem não tem realidade. E nãõ tem realidade porque os dominadores, os exploradores retiraram a realidade ao Homem proletário, para que ele não se revoltasse. Ora, eu tenho todos os dados como antropólogo para dizer que Marx estava errado e que essas problemáticas não têm apenas que ver com sociedades com Estado nem com sociedades capitalistas. Porque o que é facto é que sociedades de caçadores-recolectores de cinquenta pessoas no meio da selva têm tudo isso e, no entanto, não têm judaico-cristianismo, não tiveram igrejas católicas, não tiveram repressão institucional, etc. As trevas não são trevas; pelo contrário, são luzes. Dito de outra maneira, o Homem gosta muito de ver luzes em caleidoscópios e de inventar caleidoscópios e de ver luzes bonitas. As religiões são luzes bonitas que também servem para certas partes mais angustiadas da humanidade dominarem outras partes que lhes causam angústia. Quando se vai ver quem são essas partes, os angustiados são os Homens de uma certa idade, e as pessoas que lhes causam angústia são as suas mulheres e filhos, A religião também serve para os homens angustiados e fragilizados criarem uma estrutura de dominação sobre as suas próprias mulheres, que podem estar a dormir com outros homens, sobre os seus filhos que lhes podem desobedecer os homens estão a envelhecer enquanto os filhos estão cheios de força, uns estão na fase de abertura outros na fase de fechamento e decrepitude. A religião foi, assim, (e há provas disso) inventada pelos homens mais velhos, ao aperceberem-se de que, através dela, podiam dominar os outros homens.
Isso poder-nos-ia levar à questão do falocentrismo e da dominação que ele vem exercendo em toda a nossa história ocidental.
Isso não tem que ver com o falos, tem que ver com a fatta dele (risos). Os homens velhos não têm fatos, têm o pénis dependurado e frouxo e as mulheres não querem dormir com eles, querem dormir com equivalentes aos filhos. A criatividade humana é uma resposta à vulnerabilidade identitária e a angústia que ela provoca nos sujeitos que a têm. Os sujeitos mais vulneraveis são os homens. Todas as pessoas que querem o poder quanto mais o querem mais vulneráveis se tornam. O poder é uma posição instável e falsa.
Francis Fukuyama afirmou que o “fim da história” incluiria um fim das ideologias. Ainda há espaço para a utopia, para o sonho utópico, num mundo cada vez mais a-ideológico, cada vez mais embrenhado na “era do vazio”?
Acabas de demonstrá-lo. O que o Fukuyama nos está a propor é o sonho dele, sem qualquer realidade dentro. O que ele está a propor é uma utopia, não tem qualquer realidade dentro e não vai acontecer. O que vai acontecer, por razões estruturais-dinâmicas, é que o Homem, sendo um ser ferido, vulnerável, dramático, problemático, sempre porá em perigo ele próprio e os seus semelhantes, porque está em guerra consigo próprio e com os outros. Portanto o que teremos nunca será a paz por mil anos, só um Napoleão ou um Hegel diria uma coisa dessas, e o Fukuyama é apenas mais um, mas debruçando-se sobre a globalização. Os Homens estarão sempre a organizar novos delírios, novos grupos, novas identidades e a contrapô-las a outras fazendo guerras, ensaios de dominação e tornando-se vulneráveis através disso, e recomeçando um ciclo entre gerações, entre sexos, grupos, etnicidades, classes sociais, entre benfiquistas e sportinguistas… querendo sempre chegar a qualquer coisa onde não chegarão e andando à paulada, ou com medo de a levar, porque outros não gostam da sua identidade. Dito de outra maneira, uma coisa incontornável é que estás sozinho. O Homem é o único animal verdadeiramente sozinho, e nunca deixa de estar sozinho, nem na cama. Estás condenado à solidão e a tua alma sofre com isso. Platão falou disso quando falou do ser primordial, que era redondo, tinha quatro pernas e quatro braços e depois alguém o cortou ao meio e as duas metades passaram a vida a tentar reencontrar se para criar o círculo perfeito, a totalidade. Isso em psicanálise é chamado “princípio da conservação do psiquísmo”, ou seja, tu conservas-te na tua vida mental comparando todos os estados pelos quais passaste, e como alguns estados pelos quais passaste são melhores do que a tua actualidade, tu tens nostalgia do teu paraíso perdido que foi o útero da tua mãe, o ninho que ela te deu, e a ilusão de que eras o centro do mundo. As mães dão aos bebés a ilusão de que eles são o centro do mundo, e isso torna-nos egocêntricos, etnocêntricos. Desta forma, mesmo Freud, mesmo o maior teórico continua a ser um sujeito de ilusões. A vida psíquica é estruturada de tal maneira que tu tens vários sujeitos dentro de ti, e o sujeito que age na inveja, o sujeito que age no futebol, na política, é o sujeito da ilusão, é o sujeito do sonho. Há uma ânsia de sonho, há uma ânsia de encontrar, há uma esperança. Eu penso que mesmo a pessoa mais lúcida, lá no último canto da cabeça, o que ela tem é esperança, o que ela tem é sonho. Esperança da redenção, da salvação, da plenitude, do encontro. O que se exprime no sonho é o sujeito dramático, em busca não consciente da realização disfarçada de desejos recalcados. O que se transmite no sonho é a revolta, o que o sonho faz é a desobediência em busca da salvação, ou seja, é o inverso da ideologia que afirma que é na obediência que está a salvação. Ideologia cristã, onde se preconiza obediência ao plano de Deus; ou ideologia burguesa, baseada numa obediência ao Estado: pagar os impostos, cumprir os horários, ser metódico e pontual. O que a alma diz no sonho é “não me impedirão de procurar a salvação”.
O sonho pode ser, assim, perigoso, na medida em que vai contra a imposição de modelos comportamentais rígidos, porque vai contra o controlo político do Homem. Perigoso porque liberta.
Se um dia chegarmos à situação em que os biólogos nos impedirem de sonhar, o controlo político da Humanidade está garantido. Só que as últimas experiências biológicas provam que um Homem que não sonha enlouquece. Dito de outra forma, para se levar os Homens a obedecerem incondicionalmente ao Estado será necessário enlouquecer a humanidade. Criar-se-ia um mundo de psicóticos e não um mundo de cidadãos.
Um mundo como o de “1984” de Orwell.
Exactamente.
[Entervista por Paulo Barcelos. Originalmente publicado no “Nova em Folha” – Jornal da Associação de Estudantes da FCSH, #36, Novembro de 2004]
http://rebeldia2.blogspot.com/2005/03/entrevista-jos-gabriel-pereira-bastos.html
Winning the Game
8/18/2009
Zero, a zero, a zero, vai o jogo recomeçar
Já se sente o desespero, precisamos de empatar
Azeda, azeda, azeda, a derrota é de amargar
Zero a zero é labareda, não perdemos sem ganhar
Zero a zero, grão a grão, de nada em nada
Vais erguendo a barricada que há um zero a defender
E são ferrolhos, tira-olhos, tira-teimas,
Correrias, saltos queimas que há um zero a perceber
Há zero mães, zero alarmes, cima-abaixo
Jogo branco e o berbicacho e risadas, volta atrás
Há um vazio revirando regelando,
Passa o tempo sendo brando, fazendo zero, tanto faz
Há zero a zero, há cem a cem
Com zero a zero, vai tudo bem
Há zero a zero, há cem a cem
Com zero a zero, vai tudo bem
Depois, depois, depois, vai dar muito que falar
Nulidades ou heróis, todos têm que velar
Zero, a zero, a zero, há-de o jogo terminar
Pra’ dizer sem exagero, “foi a zero, não há azar”
Zero a zero, repartido, por outro zero
Já não espero e acelero que se caio também cai
A zero à hora, vou de roda e recupero
Quero dar a volta ao zero para ver aonde vai
Com mais encores fazem zero apologia
Muitos zeros é mania, zero a zero é pequenez
Duas noitadas, são as lógicas maradas
Desempate ou desempatas, empatamos outra vez
Há zero a zero, há cem a cem
Com zero a zero, vai tudo bem
Há zero a zero, há cem a cem
Com zero a zero, vai tudo bem
The Vicious Five
Tributo a Carlos Paião
Já se sente o desespero, precisamos de empatar
Azeda, azeda, azeda, a derrota é de amargar
Zero a zero é labareda, não perdemos sem ganhar
Zero a zero, grão a grão, de nada em nada
Vais erguendo a barricada que há um zero a defender
E são ferrolhos, tira-olhos, tira-teimas,
Correrias, saltos queimas que há um zero a perceber
Há zero mães, zero alarmes, cima-abaixo
Jogo branco e o berbicacho e risadas, volta atrás
Há um vazio revirando regelando,
Passa o tempo sendo brando, fazendo zero, tanto faz
Há zero a zero, há cem a cem
Com zero a zero, vai tudo bem
Há zero a zero, há cem a cem
Com zero a zero, vai tudo bem
Depois, depois, depois, vai dar muito que falar
Nulidades ou heróis, todos têm que velar
Zero, a zero, a zero, há-de o jogo terminar
Pra’ dizer sem exagero, “foi a zero, não há azar”
Zero a zero, repartido, por outro zero
Já não espero e acelero que se caio também cai
A zero à hora, vou de roda e recupero
Quero dar a volta ao zero para ver aonde vai
Com mais encores fazem zero apologia
Muitos zeros é mania, zero a zero é pequenez
Duas noitadas, são as lógicas maradas
Desempate ou desempatas, empatamos outra vez
Há zero a zero, há cem a cem
Com zero a zero, vai tudo bem
Há zero a zero, há cem a cem
Com zero a zero, vai tudo bem
The Vicious Five
Tributo a Carlos Paião
Diagnostico e terapia
8/05/2009
Um algoritmo random testa a espécie numa caverna climatizada
REPORT: Espécie doente
ORIGEM DO PROBLEMA: produto secundário da adaptação
DIAGNÓSE FUNDAMENTAL: auto-canibalismo psico-somático inter-dimensional
CONDICIONANTES: sobriedade em função da ordem sistémica e supra-individual e supra-gregária com paradoxo egóico
CONSEQUÊNCIA: Ebriez de vodka destilada dos impulsos sacrificados com pouco estimulo racional
ANAMNESE: medo, conflito, símbolo e moral
TERAPIA RECOMENDADA:
a) eliminação de estruturantes danosos da cultura com vista a erradicar contradições
d) Reedificar conceitos
c) profilaxia de clarividência pré-acção
d) Reformulação de meios e métodos de transmissão de conceitos
UTOPIA: Eliminação da doença e construção da plenitude individual
DISTOPIA 2080: ?
REPORT: Espécie doente
ORIGEM DO PROBLEMA: produto secundário da adaptação
DIAGNÓSE FUNDAMENTAL: auto-canibalismo psico-somático inter-dimensional
CONDICIONANTES: sobriedade em função da ordem sistémica e supra-individual e supra-gregária com paradoxo egóico
CONSEQUÊNCIA: Ebriez de vodka destilada dos impulsos sacrificados com pouco estimulo racional
ANAMNESE: medo, conflito, símbolo e moral
TERAPIA RECOMENDADA:
a) eliminação de estruturantes danosos da cultura com vista a erradicar contradições
d) Reedificar conceitos
c) profilaxia de clarividência pré-acção
d) Reformulação de meios e métodos de transmissão de conceitos
UTOPIA: Eliminação da doença e construção da plenitude individual
DISTOPIA 2080: ?
The L Word
7/29/2009Eu espeto facas na epiderme diariamente
depois não consigo dormir e vou chorar para o teu colo...
Tu avisas-me todos os dias
mas nunca me negas o colo
Eu não consigo encontrar outra palavra para isso
As minhas lágrimas são ácido láctico
a benzer-te a carne
e a escorrer no peito que eu esmago quando voo em mania
Agora vejo as desgraças dos outros
Terapia de grupo para não me sentir tão miserável
um dia dedico-te um segredo-postal
com todas as palavras mágicas
e compro a minha parte das peças
para nos inserirmos, precária, mas finalmente na sociedade.
Puzzle
7/16/2009Se os bebés fossem puzzles partilhados o teu amor por mim seria honesto.
Eu comprava as peças pares e tu as impares e rebentávamos de vez com o diferencial, com o ciume e com as falsas montras.
Se os bebés fossem puzzles construiamo-los em conjunto.
Até lá não há bebés.
Quem sabe ainda podemos aumentar o clã na nova zelandia se descobrirmos
a formula para fazer bebés ás peças.
As Bocas
7/03/2009
Ao meu lado senta-se todos os dias um senhor de meia idade.
Da sua boca saem constantemente bolhas bem seladas contendo fumo e humus de ostras podres, mas sem moscas.
De vez em quando atingem-me e rebentam.
Desejo que nao abra a boca o dia inteiro.
O halito é uma coisa de extrema importancia para o interlocutor numero um.
Da sua boca saem constantemente bolhas bem seladas contendo fumo e humus de ostras podres, mas sem moscas.
De vez em quando atingem-me e rebentam.
Desejo que nao abra a boca o dia inteiro.
O halito é uma coisa de extrema importancia para o interlocutor numero um.
O clã
7/03/2009
Estou cada vez mais longe de todos e mais perto do clã.
Eu nunca gostei nada das máscaras lá do teatro,
apertavam na cara e suava-se muito...
Lá almoçava-se sopa de espinafres com figado e lanchavam-se cavacas e laranjas com mini-milks... e mesmo assim fui andando de teatro em teatro porque estava ESCRITO que era bom.
Agora o meu corpo voltou a ser funcional.
TU continuas o maior accionista da minha felicidade.
--Posso antes misturar tudo o que não vem nos livros?
Eu nunca gostei nada das máscaras lá do teatro,
apertavam na cara e suava-se muito...
Lá almoçava-se sopa de espinafres com figado e lanchavam-se cavacas e laranjas com mini-milks... e mesmo assim fui andando de teatro em teatro porque estava ESCRITO que era bom.
Agora o meu corpo voltou a ser funcional.
TU continuas o maior accionista da minha felicidade.
--Posso antes misturar tudo o que não vem nos livros?
Stalker
7/03/2009
Aos fins de semana faço viagens ás termas por razões terapeuticas.durante as viagens brinco com as emoções e com ondas de choque,e constato que sou uma barata mutante que gosta de viver aqui. Nos restos do apocalipse.
Paradoxalmente é quase sempre a primeira vez.
E eu já sei que resisto sempre.
Não está longe o dia em que serei Rei deste povo.
Paradoxalmente é quase sempre a primeira vez.
E eu já sei que resisto sempre.
Não está longe o dia em que serei Rei deste povo.
Regozijo Conceptual
6/30/2009INCUNABULA
Quando era criança habitava o universo material porque as minhas mãos não eram capazes de o produzir.
Quando era criança habitava o universo material porque as minhas mãos não eram capazes de o produzir.
EPHOEBUS
Assim que me libertei da dimensão material, aterrei na dimensão conceptual.
Quiz beber conceitos até cair.
E bebi.
AUCTUS
--O que queres que te traga do meu regresso de férias?
--Traz-me experiências e sobretudo traz-me conceitos.
Traz-me o que viste com os olhos que a minha obcessão tem escrito dentro dos teus.
Já não quero outras prendas.
LITIGO
O meu turismo é conceptual mais do que de gastronómico e até as gastronomias se reduzem hoje a conceitos mais do que a receitas.
As receitas são os livros dos parvos empilhados em mangedouras.
Instruções para milhões de alfabetizados, estacionados na sua maioria da idade da pedra do materialismo da minha infância.
As culturas são receitas!
Meros atalhos da estupidez para a estupidez ... são sempre o caminho mais longo para chegar a qualquer lugar e o caminho mais optimo para não se chegar a lugar nenhum.
ILLUMINATUS
A INFELICIDADE é o "karma" da cultura talhada para massas,
e a natural distribuição normal das massas é ela mesma o principio fundador da mediocridade que pauta o comum por baixo.
A maioria prefere uma "biografia feita"
meio caminho andado para a estavel manutenção da estupidez e da inerte INFELICIDADE.
O circulo Perfeito.
A infelicidade é um circulo perfeito da cultura.
A infelicidade É o patriarcado!
CIRCUAGO
A MINHA sociedade não será humanamente democratica, será behaviouralmente eugenista e conceptualmente livre.
Os dias passam e eu vou queimando os pequeninos dicionarios de novilingua que me foram entregues de borla nas escolas do sistema.
Por debaixo deles vão brotando tal qual flores, os dicionários conceptuais ainda sem palavras que designem os termos que eu já estudei.
Mais uma vez são precisos outros para ouvir as minhas palavras e mais do que isso para concordar com elas.
A solidão da cidade não é afinal a solidão da cidade, mas sim a solidão da ignorancia e do conforto.
ADULTUS HOMO
Estou prestes a habitar um universo desconhecido.
onde bebo os conceitos que construo.
Pacientemente aguardarei meus comensais.
Controle freaks
6/29/2009A nossa boa quimica podia ser a causa de eu me atirar ao rio sem braçadeiras.
Ainda bem que não deixamos...
Para além de faltarem partes no discurso, ouvi também dizer que alguns rios não têm foz.
Confesso que ainda não sei se é verdade...
E a minha curiosidade persiste.
Nas minhas vidas paralelas tambem gosto de falar sobre aquilo que não vai acontecer, e é pelo mesmo motivo que gosto de cinema.
Talvez troquemos opiniões um dia destes.
Verdade ou consequencia?
6/23/2009Eu imaginei que seria um jogo simples.
.. É complexo...
Pragmático seria subscrever a história de milhões de umbigos ao inves de gastar a vida a inventar alternativas formas de viver e a escrever distopias á máquina...
Eu queria fazer da nossa vida a TESE de que é possivel viver diferente e melhor do que todos os hipócritas.
Não sei se conseguimos ...
sobrelevação do século XXI
6/21/2009Escreve o que a seguir te dito com uma trincha larga e tinta preta numa tela grande.
"As tuas emoçoes são catalizadores das tuas necessidades"
pendura-a por cima tua pobre enxerga de palha.
Agora, sai da cultura!
Depois olha para ela,
e com base nela para toda a tua vida passada e DESCOBRE-TE.
Depois de descobrires, constroi-te!
Desta vez Bonito e livre, no futuro que já podes desejar para ti.
Ice Storm
6/18/2009In issue number 141 of The Fantastic Four...
published in November 1973...
Reed Richards has to usehis antimatter weapon on his own son...
who Annihilus has turned intoa human atom bomb.
It was a typical predicamentfor the Fantastic Four...
because they weren'tlike other superheroes.
They were more like a family...
and the more power they had,the more harm they could do to each other...
without even knowing it.
without even knowing it.
That was the meaningof The Fantastic Four-
that a family is likeyour own personal antimatter.
Your family is the void you emerge from
and the place you return to when you die.
And that's the paradox
And that's the paradox
-the closer you're drawn back in...
the deeper into the void you go.
in The Ice Storm (1997)
Composição pouco extensa sobre um futuro menor
6/11/2009Amassas as tuas broas de milho no alcatrão,
depois come-las
e alojas pedacinhos pretos entre dentes
que eu posso ver quando os arreganhas entre o riso e o medo que esboças perante as PESSOAS.
Es tu
ali
com o desgrenho naquilo que te resta de cabelo
a meter-me mais que pena, nojo!
depois come-las
e alojas pedacinhos pretos entre dentes
que eu posso ver quando os arreganhas entre o riso e o medo que esboças perante as PESSOAS.
Es tu
ali
com o desgrenho naquilo que te resta de cabelo
a meter-me mais que pena, nojo!
ó homenzinho enfezado do futuro que tu próprio mandaste vir.
Analfabeto que gastaste aos teus pais milhares em impostos pra estudos que não te valeram de nada
… depois arrastas-te
dizes que vais para casa…
aquele buraco sujo da tecnologia do cimento
herdado dos tempos muitos enriqueciam e se conspurcavam no betão
decorado com inutilidades de nome sofisticado
e plásticos reles da china que já nem de calço servem ás mesas.
Es tu
Um monte de cacos.
Uma estátua viva em honra a ti mesmo
Envolta em lixo reciclado
sem pão prá boca.
A Torre
4/05/2009
Sim… Decidimos subir hoje á torre.
Está escuro, somos muitos e ilegais percorremos estes corredores abandonados.
Sem saber como nem porque sinto a tua mão agarrar a minha. Nunca dantes o havias feito.
Olho para ti e leio-te na expressão um medo infantil e de certa forma teatral. Tentas manter a concentração e a seriedade. Estamos afinal de contas no meio de uma grande aventura.
Penso que o fazes para que eu pense que tens medo. Não acredito que tenhas medo mas finjo que sim e seguro-te firme a mão.
Desejo arduamente que nunca a desamarres de mim para que te mantenhas sempre junto a o meu corpo… apenas e mesmo que só através da tua mão.
Tenho vergonha.
Sim,
Tenho vergonha porque os outros viram, todos os outros viram e todos os outros sabem que nada há entre nós.
Tenho vergonha porque a minha mão está fria, num sinal honesto da minha inferioridade.
Tenho vergonha porque a minha mão ficou a suar junto da tua e está a contaminar-te. A minha mão parece pouco higiénica… a suar para a tua pele e para a tua boa vontade.
Continuamos a percorrer estes corredores escuros. Houve quem trouxesse lanternas… nós ficámos para trás, seguindo os que o fizeram.
Puxo-te para um outro quarto, fora dos corredores, fora do trilho. Continua escuro mas finalmente estamos sós e o meu coração já não bate tão forte como quando há pouco me pediste emprestada a mão.
Agora estamos sós.
Seguro-te a mão esquerda com a minha mão direita.
Fito-a com os olhos baixos enquanto a percorro nas costas com os meus dedos e entreteço mentalmente uma forma de exprimir em três palavras todo o meu amor por ti.
Pela janela entram uns poucos fotões perdidos por difracção na escuridão da noite, mas chegam-me… bastam-me estes, o toque quente da tua mão e o teu perfume...
Apetece-me mergulhar no teu peito.
Um dos meus mais secretos desejos sempre foi mergulhar no teu enorme peito.
Mergulho no teu peito enquanto ainda se ouvem os passos dos nossos companheiros exploradores no soalho de madeira das restantes divisões.
Estamos sós e a minha face está entregue ao teu peito, á tua t-shirt de algodão verde, parcialmente coberta pelo teu casaco verde de um outro tecido qualquer. O teu perfume é um Milagre. O teu perfume és tu e o teu perfume. O teu perfume é único.
Ainda não consegui expulsar uma palavra, e ainda não ouvi uma sair da tua boca.
Continuo a ouvir o teu coração e a desejar forte que me desejes tanto quanto te desejo a ti…não de forma carnal como nos filmes, na bruta banalização da palavra desejo. Contínuo a implorar que o destino já tenha por mera sorte escrito o teu nome junto do meu.
Ainda não larguei a tua mão…
Inspirei-me no teu perfume e no cheiro do teu corpo junto do cheiro do teu perfume. Confesso que nunca senti nada como isto.
Preciso de te dizer algo mas nada mais me ocorre : Amo-te…
Não quero gastar a palavra. TU Não sabes que é a milionésima vez que te digo isto. Tu não sabes
que não é uma leviandade e que não somos “novos” para mim… Jamais te diria isto no primeiro dia.
Voltei a fitar a tua mão esquerda, segura pela minha mão direita. Olho agora, e mais uma vez para as nossas mãos.
Sinto-te silencioso, Mas ainda não te olhei a face desde que nos trouxe para aqui.
Será uma surpresa. Sempre tive medo de surpresas…Desejo olhar para ela e encontrar-te como te imagino.
Elevo o olhar…
Sorrio. Respondes com um sorriso que não consigo interpretar.
Aproximo-me e consigo chegar-te ao ouvido.
-- Sabes que te amo?… sabes que te adoro desde o primeiro dia. Quero abraçar-te. Abraça-me.
Amo-te.
Sabes?...
Ainda não larguei a tua mão e não sei o que se passou a seguir.
Nunca te puxei para este quarto.
Está escuro, somos muitos e ilegais percorremos estes corredores abandonados.
Sem saber como nem porque sinto a tua mão agarrar a minha. Nunca dantes o havias feito.
Olho para ti e leio-te na expressão um medo infantil e de certa forma teatral. Tentas manter a concentração e a seriedade. Estamos afinal de contas no meio de uma grande aventura.
Penso que o fazes para que eu pense que tens medo. Não acredito que tenhas medo mas finjo que sim e seguro-te firme a mão.
Desejo arduamente que nunca a desamarres de mim para que te mantenhas sempre junto a o meu corpo… apenas e mesmo que só através da tua mão.
Tenho vergonha.
Sim,
Tenho vergonha porque os outros viram, todos os outros viram e todos os outros sabem que nada há entre nós.
Tenho vergonha porque a minha mão está fria, num sinal honesto da minha inferioridade.
Tenho vergonha porque a minha mão ficou a suar junto da tua e está a contaminar-te. A minha mão parece pouco higiénica… a suar para a tua pele e para a tua boa vontade.
Continuamos a percorrer estes corredores escuros. Houve quem trouxesse lanternas… nós ficámos para trás, seguindo os que o fizeram.
Puxo-te para um outro quarto, fora dos corredores, fora do trilho. Continua escuro mas finalmente estamos sós e o meu coração já não bate tão forte como quando há pouco me pediste emprestada a mão.
Agora estamos sós.
Seguro-te a mão esquerda com a minha mão direita.
Fito-a com os olhos baixos enquanto a percorro nas costas com os meus dedos e entreteço mentalmente uma forma de exprimir em três palavras todo o meu amor por ti.
Pela janela entram uns poucos fotões perdidos por difracção na escuridão da noite, mas chegam-me… bastam-me estes, o toque quente da tua mão e o teu perfume...
Apetece-me mergulhar no teu peito.
Um dos meus mais secretos desejos sempre foi mergulhar no teu enorme peito.
Mergulho no teu peito enquanto ainda se ouvem os passos dos nossos companheiros exploradores no soalho de madeira das restantes divisões.
Estamos sós e a minha face está entregue ao teu peito, á tua t-shirt de algodão verde, parcialmente coberta pelo teu casaco verde de um outro tecido qualquer. O teu perfume é um Milagre. O teu perfume és tu e o teu perfume. O teu perfume é único.
Ainda não consegui expulsar uma palavra, e ainda não ouvi uma sair da tua boca.
Continuo a ouvir o teu coração e a desejar forte que me desejes tanto quanto te desejo a ti…não de forma carnal como nos filmes, na bruta banalização da palavra desejo. Contínuo a implorar que o destino já tenha por mera sorte escrito o teu nome junto do meu.
Ainda não larguei a tua mão…
Inspirei-me no teu perfume e no cheiro do teu corpo junto do cheiro do teu perfume. Confesso que nunca senti nada como isto.
Preciso de te dizer algo mas nada mais me ocorre : Amo-te…
Não quero gastar a palavra. TU Não sabes que é a milionésima vez que te digo isto. Tu não sabes
que não é uma leviandade e que não somos “novos” para mim… Jamais te diria isto no primeiro dia.
Voltei a fitar a tua mão esquerda, segura pela minha mão direita. Olho agora, e mais uma vez para as nossas mãos.
Sinto-te silencioso, Mas ainda não te olhei a face desde que nos trouxe para aqui.
Será uma surpresa. Sempre tive medo de surpresas…Desejo olhar para ela e encontrar-te como te imagino.
Elevo o olhar…
Sorrio. Respondes com um sorriso que não consigo interpretar.
Aproximo-me e consigo chegar-te ao ouvido.
-- Sabes que te amo?… sabes que te adoro desde o primeiro dia. Quero abraçar-te. Abraça-me.
Amo-te.
Sabes?...
Ainda não larguei a tua mão e não sei o que se passou a seguir.
Nunca te puxei para este quarto.